Indignidade Sucessória e Deserdação

João Guerra Poseiro

quarta-feira, 03 de abril de 2024

                                                    

A lei prevê que determinados familiares do falecido não poderão ser impedidos de herdar. Tratam-se dos “herdeiros legitimários” – o cônjuge, os descendentes (filhos e, nalguns casos, os netos, com exclusão dos adotados) e os ascendentes (excluindo-se destes os adotantes) – do autor da sucessão, os quais, em condições normais, têm direito à “legítima”, que corresponde à parcela da herança de que o autor da sucessão não pode legalmente dispor.

No entanto, a lei também prevê, algumas circunstâncias que permitem a deserdação de um filho ou outro herdeiro legitimário, ou seja, a perda do seu direito à referida legítima.

A deserdação poderá ter lugar nas seguintes situações:

  • Quando o herdeiro tenha sido condenado por crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão;

  • Quando o sucessível tenha sido condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as pessoas acima mencionadas;

  • Quando o sucessível se tenha recusado a prestar, sem justa causa, alimentos ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.

Conforme se poderá facilmente constatar, os casos em que se pode deserdar um filho são muito residuais, daí que, por vezes, se recorra a artifícios destinados a contornar a proibição legal. Será o que sucede, por exemplo, quando o autor da sucessão se desfaz, ficticiamente, do seu património, de forma a que, à data da sucessão, não exista já qualquer herança a receber pelo herdeiro legitimário. É claro que, nesta eventualidade, o herdeiro prejudicado pelos atos de disposição patrimoniais simulados poderá impugnar judicialmente o negócio.

Caso haja impossibilidade fáctica ou legal de o autor da sucessão deserdar – como serão os casos em que o autor da sucessão não teve conhecimento da verificação das causas que justificam a deserdação, ou delas teve conhecimento e nada fez, ou foi vítima de homicídio por parte do herdeiro legitimário e faleceu – a lei prevê a possibilidade de os herdeiros do autor da sucessão ou o Ministério Público intentarem uma ação judicial para impedir que quaisquer pessoas consideradas “indignas”, para efeitos sucessórios, possam herdar os bens do autor da sucessão.

Entre os possíveis “indignos” estão os que tenham sido condenados como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, ou por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra o autor da sucessão, seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado e, ainda, os que, por meio de dolo ou coação, tenham induzido, ou impedido, o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar testamento, bem como os que tenham subtraído, ocultado, inutilizado, falsificado, suprimido dolosamente o testamento do autor da sucessão ou se aproveitando de algum desses factos.