O Cabeça-de-Casal e a Herança

João Guerra Poseiro

terça-feira, 02 de abril de 2024


O que é o cabeça-de-casal?


O cabeça-de-casal corresponde ao órgão encarregue de administrar os bens da herança e de participar o óbito à Autoridade Tributária após o falecimento de alguém.

Existindo património para repartir entre os herdeiros, os bens a administrar poderão ser os bens próprios do falecido ou a sua meação nos bens comuns do casal, caso este tenha sido casado num dos regimes da comunhão.

O cargo de cabeça-de-casal, em regra, não confere ao seu titular direito a uma remuneração.

Em que situações poderá existir um cabeça-de-casal?

Existirá um cabeça-de-casal sempre que ocorra a abertura da sucessão por morte.

Quem poderá ser o cabeça-de-casal?

Existindo acordo entre todos os interessados, poderá ser nomeado para o cargo de cabeça-de-casal qualquer pessoa, independentemente da sua relação com a herança. A nomeação para o cargo pode ser expressa, quando todos os herdeiros acordam sobre a quem compete o exercício do cargo, ou tácita, por via do exercício incontestado das funções de cabeça-de-casal por quem, nos termos da lei não estaria “na primeira linha” para o deferimento do cargo.

Na ausência de acordo o exercício do cargo cabe, em primeiro lugar, ao cônjuge sobrevivo, desde que este seja herdeiro ou tenha meação nos bens do casal e não se encontre separado judicialmente de pessoas e bens à data do falecimento. Não havendo cônjuge sobrevivo em condições de exercer o cargo, a função de cabeça-de-casal caberá, sucessivamente, ao testamenteiro, à pessoa escolhida pelo falecido para dar execução ao testamento, aos parentes que sejam herdeiros legais, ou aos herdeiros testamentários.

De entre os parentes que sejam herdeiros legais, terá preferência para exercício do cargo o herdeiro com maior proximidade de grau, e entre os herdeiros com o mesmo grau de parentesco terão preferência aqueles que vivam com o falecido à pelo menos um ano. Em igualdade total de circunstâncias, a função de cabeça-de-casal será atribuída ao herdeiro mais velho.

Se todos os herdeiros pedirem validamente escusa ou forem removidos do cargo, caberá ao tribunal designar o cabeça-de-casal.

É obrigatório aceitar o cargo de cabeça-de-casal?

Caso a pessoa nomeada seja maior de 70 anos, poderá pedir escusa do cargo sem que tenha de invocar qualquer outro impedimento.

No entanto, tendo a pessoa nomeada para o cargo de idade inferior a 70 anos, apenas poderá pedir escusa invocando a impossibilidade de exercício das funções por motivos de doença, ou incompatibilidade do cargo de cabeça-de-casal com um cargo público que desempenhe.

Adicionalmente, caso exista acordo de todos os interessados, poderá o cabeça-de-casal ser substituído a qualquer momento.

Quais são as funções e obrigações do cabeça-de-casal?

Ao cabeça-de-casal cabem várias funções no âmbito da partilha, devendo estas ser exercidas com o maior zelo e diligência, não devendo aquele agir em proveito próprio com prejuízo dos demais interessados na herança.

O cabeça-de-casal é responsável pelo exercício de todas as funções associadas com a administração do património indiviso, podendo, para tal, exigir de herdeiros ou terceiros a entrega dos bens que integrem a herança e que estes tenham em seu poder, fazendo uso, caso se mostre necessário, das competentes ações judiciais.

Ao cabeça-de-casal compete também a função de satisfazer os encargos da herança com o funeral, sufrágios e com administração da herança, podendo para tal fim alienar, na medida do necessário, frutos da herança ou bens deterioráveis que integrem a herança. O cabeça-de-casal poderá igualmente cobrar as dívidas para com a herança, mas apenas quando o pagamento possa ser feito espontaneamente ou quando a demora possa vir a comprometer a possibilidade de a dívida vir a ser ressarcida.

O cabeça-de-casal tem também funções de natureza fiscal, devendo informar a Autoridade Tributária da área de residência do autor da herança sobre o falecimento deste e apresentar a relação de bens.

Em caso de partilha da herança em processo de inventário, compete ao cabeça-de-casal dar entrada do requerimento inicial para dar início ao processo, ainda que os demais interessados na herança também o possam fazer dentro de certas circunstâncias. O requerimento inicial deverá identificar o autor da herança, o lugar do seu último domicílio e a data e o lugar em que haja falecido, justificar a qualidade de cabeça de casal e identificar os interessados na partilha. (1097.º CPC, n.ºs 1 e 2).

Ao requerimento inicial deverá o cabeça-de-casal juntar a certidão de óbito do autor da sucessão e os documentos que comprovem a sua legitimidade e a legitimidade dos interessados diretos na partilha, os testamentos, as convenções antenupciais e as escrituras de doação existentes, a relação de todos os bens sujeitos a inventário, a relação dos créditos e das dívidas da herança e o compromisso de honra do fiel exercício das funções de cabeça de casal.

O cabeça-de-casal assume igualmente a obrigação de proceder à relação de bens, identificando integralmente os bens que serão partilhados. As informações a prestar incluem os créditos e dívidas do património bem como os respetivos devedores e credores, e a individualização dos bens que integram o património indiviso, com a identificação do respetivo valor.

Caso algum interessado na partilha venha a falecer antes de esta se encontrar concluída, deverá o cabeça-de-casal proceder à habilitação de herdeiros.

O cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas aos demais herdeiros relativamente à sua gestão, devendo prestar contas anualmente.

O cabeça-de-casal pode ser responsabilizado se não cumprir as suas obrigações?

Sim, o cabeça-de-casal que não cumpre de forma adequada as suas funções pode vir a ser responsabilizado perante os herdeiros do falecido.

O cabeça-de-casal poderá ser removido do seu cargo, a pedido de qualquer interessado, sempre que oculte bens da herança ou doações do falecido, denuncie doações ou encargos inexistentes, não administre o património hereditário com prudência e zelo, incumpra os deveres que a lei lhe impuser, ou se se revelar incompetente para o exercício do cargo.

Adicionalmente, o cabeça-de-casal perderá os direitos que pudesse ter sobre os mesmos se ocultar bens da herança.

Caso o cabeça-de-casal cause danos aos herdeiros, use bens ou dinheiro da herança em benefício próprio pode vir a ser responsabilizado civil e criminalmente.